Via Jornal do Comércio
Há pouco mais de uma semana do início oficial do inverno, os gaúchos e o varejo local já têm uma perspectiva nítida de como será a época mais fria do ano. Com registro de temperaturas abaixo de zero na maior parte da semana passada, inclusive com ocorrência de neve na Serra, casacos, toucas, luvas e botas saíram não só do armário, mas também dos estoques. Esses itens, que, para muitos comerciantes, estavam encalhados, são alguns dos artigos que estão alimentando o otimismo dos empresários, que esperam vender mais nesta temporada.
Surpresa com o excessivo frio que está fazendo, a comerciante e artesã Nelly Soares, que tem uma barraca na Praça da Alfândega, diz que está "vendendo mercadorias do inverno no outono". Os dias gelados impulsionaram a saída de produtos que quase não foram demandados nos anos anteriores, como as luvas, que quase não foram vendidas em 2015, mas agora já são os campeões de venda.
Instalada no local há 25 anos, ela é categórica ao afirmar que "as vendas melhoraram muito em relação aos anos anteriores". Todos os artigos feitos de crochê e tricô são feitos pela artesã, que ainda adquire mercadorias adicionais para atender aos clientes, que entre o produto mais barato e mais caro gastam entre R$ 5,00 a R$ 80,00. Nelly fica em seu comércio entre às 9h e 20h. "É legal que as vendas estejam indo tão bem. Só não é legal ficar aqui no frio."
Entre lojistas, a perspectiva é a mesma. O presidente da Associação Gaúcha para Desenvolvimento do Varejo (AGV), Vilson Noer, cita que este é um ótimo período para limpar estoques e até para recuperar os resultados não tão positivos do último ano. "A sinalização das pessoas que dizem querer comprar produtos, principalmente de confecção e calçados, é uma assertiva", sublinha.
Crente de que a maioria das pessoas irá tirar dos casacos dinheiro para adquirir produtos característicos do período, como roupas, calçados e cosméticos. "Isso faz com que apostemos em vendas iguais às do ano passado", revela. A entidade trabalha com uma margem conservadora, atenta à realidade econômica do País, e também observando que dentro do espectro do varejo, o desempenho não é o mesmo entre todos os segmentos. "Setores que dependem de crédito e alongamento de prazo estão mais restritos", declara.
O presidente da Fecomércio-RS, Luiz Carlos Bohn, compartilha da ideia de que algumas atividades varejistas serão mais favorecidas do que outras. "Para algumas atividades varejistas, tão importante quanto a dinâmica da economia é o clima", contextualiza. "Nos últimos anos, os invernos mais amenos fizeram com que muitas pessoas não renovassem seus estoques de roupas quentes. Em 2016, aparentemente, teremos um inverno mais rigoroso, o que tende a estimular o comércio de vestuário", projeta.
Ainda assim, Bohn frisa que "as perspectivas para o comércio, em geral, não são boas para 2016". O dirigente elenca como pontos de entrave às vendas "o aumento do desemprego e queda das remunerações médias, que tem diminuído a confiança das famílias, com impactos negativos sobre o consumo". Além disso, aponta que a inflação alta e os juros elevados também restringem o poder de compra dos consumidores.
Recessão está chegando ao fim, aponta economista
Para quem está em contato direto com os compradores, a expectativa é otimista. Fátima Moraes, proprietária de uma loja de confecção no Centro de Porto Alegre, por exemplo, espera que o inverno eleve em 50% as vendas. A projeção é elevada, reconhece, sinalizando que talvez não seja tão fácil alcançá-la, mas a expectativa de que possa chegar a esse percentual não está descartada diante do aumento da procura que vem notando.
"Já estamos sentindo uma melhora", conta. Fátima reporta que maio não foi um mês tão bom de vendas. "Só a partir da última semana de maio é que as vendas aumentaram", acrescenta. Para outros lojistas, porém, a situação é ainda melhor. "O mês de maio todo foi muito bom", ressalta Adriana Ferraz, gerente de uma loja de calçados. A expectativa é de que as vendas sejam favoráveis e constantes durante todo o inverno, até agosto. "Já está faltando bota para o inverno na indústria", contextualiza. Diante da recuperação sentida a partir de maio, Adriana é certeira ao afirmar que 2016 será, no geral, um ano melhor para o varejo.
O movimento de recuperação que parece se disseminar a partir dessa temporada já sinaliza para o início de uma recuperação da economia, segundo aponta o consultor de economia da FCDL-RS, Eduardo Starosta. "Alguns fatores mostram que o período de encolhimento do comércio está chegando ao fim", argumenta. "Desde o início do ano, de janeiro, a taxa de queda das vendas vem caindo. Já havíamos antecipado na virada do ano, que a crise deveria perder fôlego, pois passamos mais de 10 meses com taxas de queda de consumo de dois dígitos no Rio Grande do Sul. Isso vai parar de se repetir."
Agora, a projeção é a de que se as vendas caírem neste mês ou nos próximos, a redução ainda será menos acentuada. "De uma maneira geral, a partir do indicador de maio as quedas serão pequenas, e junho e julho já se pode prever pequeno aumento de vendas, mas muito tímido", revela.
Especificamente sobre o desempenho do varejo no inverno, Starosta calculou o impacto da sazonalidade geral do varejo nesse período, entre junho, julho e agosto. "Existe, sim, uma tendência de pequeno aquecimento de em torno de 1% na comparação com o outono", revela. "Esse aumento se concentra basicamente na área de móveis e eletrodomésticos, de artigos farmacêuticos, e também tende a subir o segmento de veículos e material de construção."
O vestuário tradicional, acentua, tem um desempenho melhor em maio, por conta do dia das mães, e em agosto, quando ocorrem as liquidações de inverno. O economista frisa que a recuperação projetada será mais célere em alguns setores do que em outros. "Os ramos do comércio com maior dependência do crédito bancário ou parcelamento de cartões de crédito são aqueles que apresentam as quedas mais expressivas de vendas", evidencia. "Por outro lado, as lojas que operam com crédito próprio ou concentram vendas à vista apresentam resultados negativos menos intensos." Estas devem ser as mais favorecidas no inverno e no segundo semestre.